Tratamento brasileiro dá nova esperança a pacientes com lesões medulares
Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), liderados pela professora Tatiana Coelho de Sampaio, apresentaram, em 9 de setembro de 2025, um composto experimental chamado polilaminina, derivado de uma proteína extraída da placenta humana e capaz, segundo os autores, de estimular a regeneração de neurônios e a reconexão de vias nervosas lesionadas. O anúncio foi feito em evento com a participação do laboratório Cristália, parceiro na produção do fármaco
Panorama e origem da pesquisa
A linha de investigação sobre a laminina, proteína presente na placenta, é fruto de aproximadamente 25 anos de trabalho do grupo coordenado por Tatiana Sampaio no Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ. A equipe estudou a capacidade dessa molécula de modular a organização tecidual e favorecer processos de reparo no sistema nervoso, hipóteses que embasam hoje o desenvolvimento da polilaminina.
Como o tratamento é aplicado e qual o princípio biológico
Segundo os pesquisadores, a polilaminina funciona como um "andaime molecular" que orienta o crescimento de axônios e a reconexão entre neurônios interrompidos pela lesão. Na fase experimental descrita, o composto foi administrado diretamente na medula espinhal, preferencialmente até seis dias após a lesão, por meio de procedimento cirúrgico. Os relatos oficiais e a cobertura jornalística apontam para doses muito pequenas e para um protocolo que combina a aplicação com reabilitação intensiva
Resultados preliminares em humanos
Os estudos publicados em coletivas e divulgados pela equipe descrevem um número limitado de voluntários até o momento, com relatos de recuperação parcial ou total em alguns casos:
Bruno Drummond de Freitas (31 anos): vítima de acidente de trânsito em 2018, recebeu o tratamento 24 horas após a lesão. Segundo os relatos divulgados, apresentou recuperação progressiva e retomou a mobilidade em meses, com retorno a rotina próxima do habitual
Hawanna Cruz Ribeiro (27 anos): atleta paralímpica de rugby, lesionada em 2017, participou dos testes três anos após o trauma. Em entrevistas e depoimentos públicos, ela afirma ter recuperado entre 60% e 70% do controle do tronco e alguma sensibilidade na bexiga. Estado de MinasJornal Opção
As reportagens e os comunicados apontam que entre seis e oito voluntários com lesões completas (nível A) teriam sido submetidos à aplicação em estudos experimentais, com resultados variados entre os casos.
Evidência pré-clínica em animais
Antes e paralelamente aos testes em humanos, a equipe relatou resultados em modelos animais. Cães com lesões graves teriam recuperado a marcha em observações descritas pela equipe; em roedores, efeitos observáveis foram relatados em prazos muito curtos, já nas primeiras 24 horas após a administração. Esses dados pré-clínicos são parte do arcabouço que sustenta o pedido de avanço regulatório.
Segurança, limitações metodológicas e transparência científica
Os cientistas em coletiva afirmaram não ter identificado, até o momento, efeitos adversos diretamente atribuíveis ao composto. contudo, especialistas e autoridades sanitárias reforçam cautela por várias razões:
Amostra pequena e desenho inicial: os resultados apresentados decorrem de um número reduzido de casos e de estudos de natureza preliminar, sem a robustez de ensaios randomizados e controlados que permitam afirmações definitivas sobre eficácia.
Publicação científica: boa parte dos resultados ainda não foi formalmente publicada em revistas científicas revisadas por pares, o que restringe a verificação independente dos dados. VEJA
Risco de viés: estudos conduzidos pela própria equipe e com relatos diretos de pacientes, por mais convincente que seja o testemunho, não substituem evidência obtida por ensaios clínicos controlados.
A própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que ainda não recebeu um pedido formal para a fase 1 de estudos clínicos do produto e que aguarda informações complementares sobre os estudos pré-clínicos submetidos até o momento. Em nota, a agência ressaltou que, embora os dados iniciais sejam promissores, não é possível afirmar, por ora, segurança e eficácia sem as etapas regulatórias e avaliações técnicas adequadas.
Próximos passos e cronograma estimado
O laboratório Cristália divulgou informações sobre a produção do composto e a parceria com a UFRJ para avançar testes e, posteriormente, protocolos clínicos mais amplos. Caso toda a tramitação regulatória e os ensaios clínicos ocorram dentro do previsto, os pesquisadores estimam que o processo até eventual disponibilização clínica pode levar anos; estimativas citadas pela equipe mencionam um horizonte de aproximadamente três anos, sujeito a aprovação e resultados das fases subsequentes.
A fase 1, se autorizada, deverá envolver um número pequeno de voluntários com foco principal na segurança; etapas posteriores exigirão amostras maiores e desenho que permita comparação com grupos controle, para confirmar eficácia e estabelecer protocolos de uso.
Repercussão e contexto internacional
O anúncio já gerou intenso interesse da mídia e de pacientes com lesões medulares, além de discussões no meio científico sobre replicabilidade, critérios de inclusão para testes e logística de produção (incluindo a origem e o processamento da matéria-prima, placenta humana doada e acompanhada por protocolos). Hospitais como o Hospital das Clínicas e a Santa Casa de São Paulo foram citados como possíveis centros participantes em etapas futuras, caso o estudo avance.
Conclusão
A polilaminina representa um desenvolvimento potencialmente transformador no campo das lesões medulares. relatos iniciais de recuperação parcial e total em alguns voluntários, aliados a resultados pré-clínicos positivos, tornam o achado digno de atenção e acompanhamento. ao mesmo tempo, permanece imprescindível manter um olhar científico crítico: é necessário que os dados sejam submetidos à comunidade científica por meio de publicações revisadas, que a Anvisa receba e avalie protocolos completos, e que sejam conduzidos ensaios clínicos bem desenhados para confirmar segurança e eficácia.
Enquanto isso, o episódio oferece uma mensagem dupla: esperança para pacientes e familiares, e a lembrança de que avanços em medicina exigem passos formais, transparência e replicação antes de se transformarem em tratamentos amplamente recomendados.














